sábado, março 05, 2005

A entrevista

Depois de incansáveis contatos com a Assessoria de Comunicação, finalmente, o prefeito, compadecido deste arremedo de repórter, aceitou meu pedido de entrevista.
Querendo dar um toque de informalidade à conversa, o alcaide Teixeirinha recebeu-me no seu ostentoso apartamento de quatro suítes, localizado no coração da cidade.
No living faustosamente decorado, Laércio Teixeirinha, enquanto acariciava seu enjoado poodle toy, respondeu algumas questões levantadas por este inquiridor destemido que, até quando permitirem, ocupa nobre espaço na página dois deste semanário.
Ao pingue-pongue, amigos leitores:
Eu: Prefeito, o senhor não acha que muito pouco tem sido feito para que a cidade possa trilhar firmemente no rumo do desenvolvimento?
Ele: Meu jovem, esta sua interrogação está irremediavelmente contaminada por interesses políticos espúrios. Você deve ser um agente da oposição, travestido de jornalista, que tem como missão colocar-me em maus lençóis. Não vai conseguir, o eleitor não é mais bobo...
Eu: Mas prefeito, fiz uma simples pergunta...
Ele: Simples nada, isto é uma arapuca... Mas vou me safar... Seu questionamento tem um verniz de simplicidade, porém, implícitas nesta reles indagação, estão traiçoeiras forças ocultas, que têm como objetivo maior desestabilizar o meu governo. Governo que, diga-se de passagem, está sendo o melhor da História do nosso município.
Eu: O quê faz o senhor pensar que a administração atual é a melhor da História?
Ele: Não é o quê. É quem. Todo dia jantando naquela mesa (o prefeito aponta o indicador para a mesa de mármore Carrara da sala de jantar), minha mulher e meus filhos não se cansam de repetir que estão deveras orgulhosos de mim, que meu governo vai deixar grandes marcas na História. Vou duvidar deles? Eu não! Até meu primo, o advogado direitista Cassinho Carabina, que desde criança sempre foi um crítico feroz de tudo que fiz, anda me elogiando em rodas de amigos. E a Neide, ah a Neide (dá um longo e suspeito suspiro), minha empregada, nem te conto. A Neidinha só me falta colocar num altar de tanto que ela gosta do “jeito Teixeirinha de prefeitar”.
Eu: O senhor não acha que estas pessoas são suspeitas pra opinar? O povo também acha isso do seu governo?
Ele: (irritado e com a voz elevada) Eu já esperava isso de intelectualóides petulantes como você. Essa babaquice sociológica de invocar o povo por qualquer bobagem é bem típica de idiotas reacionários. Ora, moço, o povo é mera minudência. Tenho uma relação muito sazonal com o povo. Gosto muito da plebe rude, mas este nobre sentimento só se dá de quatro em quatro anos. ( com um cinismo atroz) Estou fazendo análise para descobrir o porquê deste gostar tão inconstante.
Eu: O espaço está aberto pra suas considerações finais.
Ele: Antes de terminar, quero tranqüilizar os cidadãos para não se preocuparem com o Antraz. Ainda ontem enviei uma lei à Câmara proibindo a entrada de qualquer bacilo estranho no perímetro do município. A polícia tem ordem pra prender qualquer bactéria ou microrganismo rebelde. Bem, finalizo dizendo com muito entusiasmo que qualquer medida conjuntural de ordem antropológica e macroeconômica que venha a ser tomada em razão das fortes tormentas globalizantes que abalam o planeta, será precedida de minuciosa análise, para que a sua implementação não venha acarretar danos extraordinários no trato da coisa pública. Fui claro?!
Eu: Claríssimo, prefeito, claríssimo.