A lógica gélida dos Sistemas
O ancião sentou-se à minha frente e despejou um rosário de lamentações. Tinha a voz cansada, própria de quem usa as cordas vocais por setenta e poucos anos.
Sua face era riscada por linhas de expressão. Riscos delatores de uma vida sofrida, injusta com os menos favorecidos.
Quase quarenta anos de labuta deveriam ser premiados com uma aposentadoria razoável, que permitisse uma velhice digna. Uma velhice em que as preocupações seriam passeios com os netos, bailes da saudade, pescaria e jogo de dominó.
Não. Não neste pedaço de mundo chamado Brasil. Gozar de uma terceira idade como a imaginada no parágrafo acima, é utopia para 95% da velhice tapuia.
Voltando ao velhinho sentado à minha frente... Ele recebia míseros cento e oitenta reais do INSS, dinheiro ridículo que não dava pra nada. Não passava necessidade porque fazia uns bicos como eletricista de pequenos serviços. Só não trabalhava mais por causa da saúde debilitada, que o impedia de despender grandes esforços físicos.
O velhote estava pleiteando a este escriba, que é soldado raso no exército do sistema bancário, uns caraminguás para, como ele mesmo disse, “dar um trato na saúde da patroa.”
Recolhi seus documentos, preenchi o cadastro e outros documentos burocráticos de praxe. Solicitei ao aposentado que voltasse no dia seguinte para, depois da análise de crédito, ser comunicado da liberação ou não do dinheiro.
Na manhã seguinte ele chegou à porta da agência antes do horário de expediente. Me aguardava ansioso para colocar uns trocados no bolso e, com eles, “fazer uns exames caros na véinha.”
Esta abstração fria que o planeta informatizado convencionou chamar de “Sistema”, negou ao pobre aposentado os quinhentos reais pleiteados. O Sistema escarafunchou os órgãos de crédito e descobriu uma restrição cadastral de três anos atrás. Uma dívida que, segundo ele, foi contraída pelo cunhado usando indevidamente seu nome.
Acreditei no velho, mas, sem outra saída e resignado, obedeci o “crédito negado” do Sistema. Com o lombo curtido pelas chicotadas da vida, ele, o ancião, teve forças pra sair sorrindo e ainda me dizer: “Tem nada não, filho. Nóis arranja outro jeito.”
O Sistema cumpriu seu papel, mostrando que existe para brecar atos movidos por impulsos emocionais de ocasião. Sua existência é mais do que lógica no mundo dos negócios.
Mas, no íntimo, papeando com meus botões, abstraio toda lógica gélida do “business world” e enxergo uma enorme dívida da sociedade para com os mais velhos. Uma dívida que Sistema nenhum jamais vai reconhecer.
Uma dívida que me dá uma bruta vergonha da condição humana.
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