sábado, março 05, 2005

Do seu prórpio veneno

Tomado por descomunal preguiça, meu pai, neste tedioso 21 de abril se abstém de perpetrar parvoíces pra enviar ao Correio. Enquanto ele fica lá, largado e babando no sofá, eu corro aqui pro micro e encho umas linhas que pouparão o editor Reberson de alguns chiliques e papai-colunista da demissão.
Pai, essa moleza vai fazê-lo provar do seu próprio veneno. Você que gosta de ficar, como bem disse o Zezinho Só, metralhando pra tudo que é lado, vai ter que engolir umas verdades estampadas na sua própria tribuna.
Você, querido papai, assina a Veja, lê a Folha todo dia, tem TV paga, tem internet em casa e no trabalho, em suma, é um homem bem informado. Papai, com tanta informação por que diabos você insiste em assistir ao Jornal Nacional bem na hora dos Simpsons? E não adianta falar: “vai assistir no seu quarto, moleque”. Eu quero ver o meu desenho na TV grande da sala, entendeu?
Pai, nos últimos meses você emagreceu bastante. Esse seu regime tá enchendo de orgulho todo mundo daqui de casa. Mas pai, preciso te dizer uma coisa: você já pode se conceder uns pequenos prazeres da mesa, sem grilo nem paranóia. Seja um homem saudável, mas não precisa posar de exemplo magnânimo de bons hábitos. Até porque mamãe e eu sabemos que leite condensado e Coca-Cola não se evaporam na madrugada.
“Friends” é um seriado legal, eu adoro. Mas você gostar, pai, tenha paciência! Uma temática adolescente, boboca, e fica você lá na frente da TV dando umas gargalhadas escandalosas. Tem dó, vai! Ah, pai, outra coisa que não combina mais com a sua idade são esses seus óculos coloridos e moderninhos. Ridículos. Pai, você já é quase um gerente de banco, tem que ter uma postura mais sóbria e se livrar destes adereços tipo “mundinho fashion”. Outro dia um amigo viu você chegando do trabalho e perguntou horrorizado: “seu pai trabalha de sapatênis?” Morri de vergonha, pai.
Outra coisa sua que já encheu, pai, é essa sua mania de botar apelidos nos garçons dos lugares aonde a gente vai: “The Best”, “Agnaldo Timóteo”, “Sidney Magal”. Coisa mais tonta. Só mesmo aqueles seus amigos bajuladores pra rir de tanta bobeira.
Você adora se vangloriar dos confetes aos seus textos, né pai? Mas as críticas e os erros apontados você joga pra baixo do tapete, né seu malandro? Naquela crônica sobre o Caetano, publicada uns meses atrás, você grafou em certo trecho: “...os baianos do Tropicalismo vão buscar inspiração nas margens do rio Sena...”. Caetano e Gil se exilaram em Londres, pai. A bem da boa geografia você deveria dizer que a inspiração européia foi buscada nas margens do Tâmisa. Né não, pai?
Bem, leitores, daria pra preencher todo este jornal “lavando roupa suja”. Mas deixa eu parar por aqui porque já ouço lá da sala uns gemidos guturais. A fera tá se espreguiçando. Aliás, costume esquisito esse de acordar grunhindo.