sábado, março 05, 2005

Dona Lindona

Um boteco estrelado pra esta Sanja crepuscular. É o que eles queriam. Bons de copo, cheios de idéias e atrás duns trocos, Zerbetto Brothers, Gilberto Sibin e patota, puseram na cachola que a night destas bandas caipiras nunca mais seria a mesma. Estávamos no final dos anos 70 e o ‘Tekinfin’ ainda era um bar incipiente.
O local escolhido era um subsolo infecto lá no comecinho da rua São João. Por razões óbvias a taberna foi batizada de ‘Porão’.
E o cardápio? Nada de convencional. Drinques, lanches e petiscos com pedigree do melhor da Paulicéia desvairada.
A criação deste menu consumiu dias de peregrinação pelos points que ferviam na noite paulistana. Cardápios foram surrupiados de cafés do Bexiga e de pubs dos Jardins. É improvável dizer que a pesquisa foi chata.
Após a maratona de cartas surrupiadas e acepipes devorados, o estado-maior do ‘Porão’ se reuniu num etílico benchmarking pra bater o martelo acerca do menu.
Martelo batido e entre as escolhas estava o sanduíche beirute. Prevenidos, os empresários da noite mandaram vir toneladas da alma do beirute: o pão sírio dos “brimos” da 25 de Março e adjacências.
Dias antes da abertura da casa descobriu-se que os pães haviam se deteriorado. Todo o “oriente médio” estava tomado por um asqueroso bolor. Daqueles bem verdes e aveludados.
A rede de contatos foi acionada pelo vozeirão do Celso Zerbetto. A emergência pedia o socorro ligeiro da sogra paulistana. Dona Lindona ouviu os clamores via DDD:
— Dona Lindona, sogrinha do coração, pelamordeDeus! desce na 25 e manda pra cá trocentas dúzias de pão sírio. Vamos abrir o boteco e o menu tem que estar completo.
Solícita com o genro, Dona Lindona atendeu as preces do vozeirão e dia seguinte eram descarregadas nas imediações da Estação trocentas dúzias de... chacha (os “brimos” me perdoem se a grafia estiver errada), um pão árabe finíssimo do tamanho de uma toalha de rosto. O pão era sírio, mas inapropriado para o beirute.
Celsão teve um insight-gastronômico-genial: estendeu a “toalha” na mesa, cobriu com maionese, rosbife, tomate, alface e queijo e dobrou sucessivamente a folha síria recheada. O insólito embrulho ainda padeceu de outra invencionice zerbettiana: foi pincelado com densas camadas de geléia de morango. As testemunhas da grande sacada explodiram em gozo ao provar o sanduba. Nascia ali o Dona Lindona, um ícone da gastronomia sanjoanense. Um tesão agridoce!
Anos depois, o ‘Porão’ já com as portas baixadas, a ferveção na Sanja-night era no ‘Salamalec’. A viuvada do Dona Lindona pediu ao proprietário da nova casa que introduzisse a iguaria no cardápio. Conseguiram. Celso Zerbetto passou o know-how do manjar à cozinha do ‘Salamalec’. A orfandade dos glutões agradeceu. Bem verdade que nesta época o Dona Lindona sofreu com hereges variações. Tiveram a ousadia de substituir a geléia por requeijão. Os fundamentalistas protestaram em vão contra a opção queijeira.
‘Porão’ e ‘Salamalec’, hoje, apenas vivem na memória desta Sanja, Celso Zerbetto só quer saber de pedras nobres e este escriba enche a boca d’água pra que algum bem-aventurado restaurateur resgate o Dona Lindona e o devolva ao circuito botequeiro desta província crepuscular.

2 Comments:

At 4:42 PM, Anonymous Anônimo said...

Lauro, parabens pelo tema e por nos proporcionar conhecer um pouco mas da historia do Porao, Salamalec e do famoso sanduiche"Dna Lindona"!Parabens pelo resgate desta belissima historia! Clíscea

 
At 7:20 AM, Blogger Mauricio Bertelli said...

História boa. Não sabia que era o Celsão que havia criado esse sanduíche. Parabéns pelo texto

 

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