sábado, março 05, 2005

Emoções e frustrações

Desempregado, com uma patologia que inspira cuidados e necessitando de medicamento dispendioso, Luis foi pedir auxílio à Saúde de Sanja.
Contato aqui, contato ali, e o rapaz logrou ser (mal) recebido pela nada salomônica diretora municipal Marta Salomão.
Dona Marta, rasgando papéis e esvaziando gavetas, mal mirou os olhos do munícipe e deu de ombros à rogativa num indelicado empurrão com a barriga: “Estou afivelando as malas e nada posso fazer. Peça ao próximo prefeito.”
Não satisfeita em perpetrar destratos, dona Marta passou a disparar julgamentos absurdos: “Você tem condições de pagar consultas e comprar o remédio.”
Sentença tão disparatada só pode ter brotada de um fígado amargo ou de um ranço de mau perdedor.
Descortesia e cara feia são atitudes ignóbeis que podem até ser relevadas se o administrador público cumpre a sua função e atende aos anseios do cidadão. Agora, vamos e venhamos, é o fim da picada juntar bestialidade de modos com inépcia funcional.
Apagar das luzes bem triste este, hein dona Marta? Enquanto gavetas são limpas e malas afiveladas, a ralé carece de remédios e ainda é obrigada a aturar grosserias.
Se seu papai eu fosse, dona Marta, palmadinhas na bunda e não ganhar presentinho de Natal seriam a justa reprimenda.

Sucatão
Viajar diariamente pra ganhar o pão em outras plagas é coisa das mais chatas. Pegar estrada pensando no trabalho, convenhamos, não é obrigação das mais agradáveis.
O escriba há anos verte o suor em paragens guaçuanas e, acreditem, discorda das assertivas do parágrafo inicial. Ou melhor, discordava até a semana última. Explico.
Cinco nativos desta Sanja que trabalham em Mogi Guaçu, incluindo o pífio colunista, se juntaram pra compartilhar o percurso e economizar uns trocos. Os membros da caravana laboral acordaram em viajar no velho Santana do Vardão.
Um auto puído e sem manutenção, um condutor desatento, uma turma bacana regada com doses de galhofa, ironia cáustica e muito companheirismo fizeram o inusitado mix que pariu a lenda: o Sucatão. Mais que um carro, um conceito de vida.
Idas e vindas foram permeadas por discussões políticas e esportivas, por gozações que beiravam linchamentos morais, por dramas divididos, por gargalhadas e por muita, mas muita cultura inútil.
Sem nomear os bois, tinha muquirana incorrigível, perdulário idem, tinha tagarela de 360 palavras (e gafes) por minuto, tinha meninão mimado, tinha zombeteiro implacável, tinha até uma carola desencaminhada.
Circunstâncias outras e o eterno nomadismo dos bancários estão desmembrando o Sucatão.
Dias atrás, já desfalcado, o Sucatão cumpriu seu derradeiro trajeto. Vardão, seu rebento caçula e este proseador participaram da histórica viagem final. Uma viagem de poucas palavras e muita emoção. Com um nó na garganta prometi estas linhas ao Vardão.
Do portão de casa acompanhei a velha lata singrando pelo largo asfalto da Tereziano Vallim. Um filme rápido veio à mente. Um filme com enredo nostálgico. Um filme que renova minha crença nas pessoas e na vida.

Até 2005
A coluna agradece e deseja Boas Festas aos leitores e finda o ano citando uma frase do genial cronista José Roberto Torero, grafada num ginásio da Olimpíada de Sidney, em 2000, sob a emoção de ver e ouvir meia dúzia de brasileiros entoando o Hino Nacional: “Confesso que, ao ouvir aqueles acordes e ver aquelas cores fortes e indiscretas, lembrei dos nossos risonhos lindos campos e até achei que eles têm mesmo mais flores. Tive vontade de dar um brado retumbante e, olhando para o céu risonho e límpido da Austrália, tive uma sensação verdadeiramente feliz, porque a gente anda e tresanda, mas as coisas que nos emocionam são sempre as mesmas.”