Gula
Nunca passou necessidade, tampouco foi rico. Teve uma infância simples, de gente operária e trabalhadora, mas nunca foi afligido por grandes carências.
O negócio próprio lhe trouxe um bom dinheiro e uma certa posição social. O conforto material, a ansiedade da correria cotidiana e os Biotônicos Fontoura que consumiu quando criança fizeram dele um glutão.
Um homem de apetite voraz, que se alimenta com prazer, que come mais para satisfazer seus desejos do que suprir o organismo com nutrientes. Adquiriu uma bruta afeição pelas boas iguarias.
E, para ele, boa iguaria não é sinônimo de refinação. Com um paladar democrático transita com naturalidade entre a buchada e o foie gras, entre a cachaça e o Beaujoleais Noveau.
No despertar do dia-a-dia, o fundamental desjejum é uma injeção de ânimo para enfrentar a labuta.
Na mesa do breakfast, a fusão de cores, texturas e sabores é a preliminar da maratona gastronômica que se dará ao longo do dia.
O básico é sempre básico. Não pode faltar leite gordo, café forte, manteiga caseira e pão francês fresquinho. Os acessórios existem para quebrar a sobriedade do básico, para encher de cores os tons pastéis. Coadjuvando o principal, atuam também: pães de queijo, torradas, presunto, queijo prato, geléia de morango, suco de laranja, mamão papaya, melão e um branquíssimo queijo mineiro. Incursões de acepipes além-fronteiras são mais do que benvindas: os franceses brioches e croissants e o hard-food ovos com bacon dos ianques. Pra não ser acusado de americanismo, coalhada síria com mel e aveia evocam os povos do Oriente Médio.
A pausa necessária entre a manhã e a tarde abre espaço para mais uma sessão prazerosa de trabalho com as mandíbulas.
Aquilo que, nós brasileiros, chamamos de almoço é aberto com o que os italianos chamam de ante-pasto e os franceses de couvert. Nesta prévia, reinam baguetes com berinjela, cebola e uva-passa e/ou patê de grão-de-bico com torradas, ou ainda, pão italiano, carpaccio e generosas porções de queijo gorgonzola da Velha Bota.
Na refeição propriamente dita, o modesto filé com fritas é um delicioso curinga em ocasiões de parcas opções. Quando estas são fartas, uma boa pedida é o pernil de cordeiro com molho de hortelã, acompanhado de arroz branco e batatas souté. Ele gosta de tudo, mas tem uma queda especial pelos frutos-do-mar. Pode ser um salmão básico com creme de maracujá, pode ser lagosta grelhada regada a chope gelado ou as indescritíveis miscelâneas da cozinha litorânea, materializadas em suculentas caldeiradas de mariscos e crustáceos e na espanholíssima paella valenciana.
No pós-salgados, o sabor delicado do creme de papaya, a refrescância de salada-de-frutas com sorvete de abacaxi ou a brasilidade de um indefectível quindim. E falando em brasilidades, nosso guloso personagem desta crônica tem verdadeira loucura por uma goiabada cremosa lambuzando grossas fatias de queijo Minas.
Entremeando as refeições principais, lanches rápidos ocupam os vácuos temporários do estômago. As vezes um sofisticado crepe de queijo num Café com decoração européia, outras vezes um croquete ou coxinha acompanhados de tubaína gelada em qualquer boteco de esquina.
O jantar, bem o jantar coroa a jornada devoradora do gourmet. Novamente o seu paladar pluralista se manifesta na última refeição do dia. Podendo ser um disco napolitano de massa, a pizza para os íntimos; pão de fôrma recheado com presunto, queijo e tomate, prensado e aquecido, que os mais chegados chamam de tostex; ou menus sofisticados como filé de perdiz com trufas e molho de manga ou ainda entre tantas outras divindades da boa mesa, uma tradicional bacalhoada portuguesa acompanhada de um Bordeaux de boa safra.
O doce do pós-jantar vem no gosto nem tão doce de um chocolate meio amargo e no sabor frutal de um cálice de licor de jabuticaba.
Refestelado na poltrona, ele rememora os sabores do dia e, embriagado pelas baforadas em um legítimo Montecristo, arquiteta com uma imensurável expectativa o cardápio do “day after”.
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