domingo, março 06, 2005

Pelos cotovelos

Circunstâncias obrigaram-me, dia destes, a tomar um ônibus em Aguaí pra retornar às plagas sanjoanenses. A fragrância de sovacos encharcados denunciava que naquele coletivo viajava a plebe trabalhadora.
Antes do busão cair na estrada uma moçoila de belos traços e regada com odores mais nobres se aboletou, também, na jardineira da Santa Cruz.
Mal se esparramou na poltrona, engatou papo com uma conhecida. Sejamos justos, dizer que foi papo é ultrajar o vernáculo. Um monólogo modorrento é o que protagonizou a fulana na curta viagem.
Pesquei que a matraca é farmacêutica recém-formada que tem uma ânsia monumental pra ecoar seus conhecimentos acadêmicos.
Começou discorrendo sobre medicamentos controlados e a perigosa associação destes com bebidas alcoólicas: “a moçada faz essa mistura pra animar as baladas”. Seguiu tagarelando sobre a supermaconha: “a planta é geneticamente modificada pra concentrar altas quantidades de THC, o princípio ativo da erva que deixa as pessoas doidonas”.
Manipulação, alopatia e homeopatia também foram objetos de enfadonhas teses da sabichona. Toda explanação era concluída com um risinho e um movimento de cabeça tipo viu-como-eu-sei-tudo.
Esbravejou contra uma tal Associação dos Farmacêuticos do Leste Paulista que surrupia trinta paus dos seus proventos. Segurei pra não entoar palavras de ordem.
Antes do ônibus estacionar na rodô de Sanja a sábia boticária ainda teve tempo pra uma auto-louvação que justificaria seus progressos financeiros: “sei que hoje eu ganho mais que muitos pais de família, mas nada caiu do céu, não sou uma sortuda, o que eu ganho é uma recompensa pelo meu esforço em cursar uma faculdade”. Segurei pra não aplaudir.
O anel dourado na mão esquerda revelava a sua condição de esposa. Por um instante me compadeci daquele pobre diabo com quem a faladeira divide os lençóis.
E, contrito, me compadeço também dos leitores deste Correio que perderam minutos do seu sábado com um texto que leva a lugar nenhum.