O Aeroporto
Pra ser fiel ao jargão aeronáutico, um “céu de brigadeiro”, o tempo naquela manhã de domingo estava perfeito para a ocasião. Nenhum algodão branco manchando o lindo azul celeste.
Depois de alguns meses e muitos milhões de dólares, o Aeroporto Municipal seria finalmente inaugurado.
O PIB sanjoanense compareceu em peso. Tinha Sibin voador, Bruscato com hélice, Rehder com turbinas, irmãos Souza-Soufer adornados por asas e pintura na fuselagem. Num cálculo bem modesto, 95% de toda a gaita circulante na cidade deu o ar da graça na nova jóia da coroa do reinado tucano.
A assessoria da Prefeitura cochilou e não conseguiu agendar o fantástico show da Esquadrilha da Fumaça. O povo teve que se contentar com as piruetas do Gustinho Puglia em seu ultraleve acrobático. Não tava ruim, mas, honestamente, qualquer coisa comparada com a destreza dos aviadores da FAB parece chinfrim.
Em festa de província que se preze, além das autoridades de praxe, toda espécie de lambedor e papagaio de pirata se faz presente. Na inauguração em questão, não foi diferente. Aspones e puxa-sacos desfilavam atrás da comitiva do Poder.
O prefeito, numa soberba indisfarçável, observava tudo através das lentes escuras de um óculos italiano. Comentários maldosos diziam que o alcaide se achava o próprio Tom Cruise nas gravações de “Top Gun”. Ao seu lado, o vice Plínio, mais acessível, era só sorrisos e tapinhas nas costas, vestido a caráter num bonito macacão de piloto. Todo mundo achou meio cafona a vestimenta do “number two”, mas Plínio estava tão irradiante que ninguém ousou nada além de rapapés e elogios.
Dom David, o bispo diocesano, abençoou as instalações e a pista, tecendo, depois, rápidas palavras aos presentes:
“Irmãos, quem busca as sagradas escrituras procura meios de elevar o espírito e a alma aos céus. No plano terreno, todos sabem, o mundo moderno exige que busquemos, também, os céus cada vez mais. Assim como o espírito precisa de alimento, o planeta globalizado não pode prescindir do transporte aéreo. Rejubilo-me com o prefeito por proporcionar ao povo esta belíssima obra que, sem sombra de dúvida, vai ser uma ponte para o tão almejado céu. Bons vôos a todos.”
Um cidadão atento ao discurso, brincou com o colega: “Com a merreca que eu ganho, se depender de avião pra ir pro céu, pode ter certeza que vou arder no inferno pra toda eternidade.”
Antes de descerrar a placa, como não poderia deixar de ser, o prefeito Ray-Ban proferiu um discurso. A peça de retórica foi longa, vinte e cinco laudas no estilo Fidel Castro, das quais, para não cansar o leitor e não irritar o editor, este colunista pinça o trecho mais representativo:
“...chorem, pregadores do atraso, oposição xiita e críticos de plantão. Chorem de inveja das plumas tucanas porque São João está definitivamente inserida no mundo contemporâneo. Não me venham de novo com essa conversa mole de Distrito Industrial. Não, não e não. Meus tímpanos não suportam mais tanta baboseira. Empresário cheio de erva-cifrão não é peão pra ficar reclamando de pavimentação em barracão de fábrica. Empresário não quer asfalto na porta da indústria. Ele quer, sim, é asfalto em aeroporto pra brincar com LearJet. Na mitologia grega lembramo-nos do sonhador Ícaro que, frustrado, viu o sol dizimar seu sonho ao derreter suas asas. Aqui em São João a conversa é outra. Não vou permitir que a imprensa marrom ou a inveja dos meus adversários sabotem o sonho da sofrida população.” Atônita e paralisada, a platéia ouvia o cordão de impropérios do “number one”, enquanto, sempre eles, os lambe-botas, cegos pela adulação, puxavam aplausos e louvores numa cena surreal.
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