sábado, março 05, 2005

O barbudo empijamado

Monterrey, México, alta madrugada. O barman do cinco estrelas que hospeda os chefes de Estado da Cúpula das Américas se prepara pra fechar o “boteco” e pegar o rumo de casa. Enquanto dá a derradeira lustrada no balcão de mármore, Juan percebe um barbudo empijamado se aproximando.
O insone se aboleta na banqueta e emite um grunhido cavernoso:
— E aí companheiro? Segura mais um poquito de tiempo que yo estoy sequito de sede. Manda uma tequila que o papo com o Bush foi brabo.
— É pra já senhor. Aceita pistaches pra acompanhar?
— Isso é muito fresco. Não tem torresmo?
— Como, senhor?
— Torresmo. Gordura de puerco frita.
— Não, senhor. Temos pistaches, amendoim e frutas secas.
— Então manda um meio copo de minduim. Enche um copo procê e senta aí pra gente trocar umas idéias.
— Não posso, senhor. O regulamento do hotel não permite que serviçais sentem-se com hóspedes.
— Rasga esta joça de regulamento e senta aí. Pode ficar tranqüilo, se a coisa azedar pro seu lado eu levo um lero com o gerente e ponho os pingos nos is.
— Já que o senhor manda...
— Mas vou te falar, companheiro, este seu vizinho do norte é casca dura. O homem é duro na queda. Negociar com texano rancheiro não é fácil. E ainda por cima tem aquele grandão pra se intrometer. Eu tava quase amaciando o homem quando entra o Colin Powell, que cochicha pra ele e estraga tudo.
— Entendo, senhor...
— Não, não entende. O companheiro George acha que todos que estão fora da sua cerca são bandidos. Ele acha que os States é como a sua fazenda, onde ele bota um peão na porteira pra barrar os intrusos.
— Senhor, eu acho...
— Não, você não acha nada, só me escuta. Estou farto deste discurso imperialista e arrogante das grandes potências. Elas só fazem humilhar os povos do terceiro mundo. Suas decisões xenófobas e seu protecionismo predador causam dor e fome às nações pobres. No Brasil pensam que eu renunciei à utopia socialista. Estão enganados. A chama do socialismo ainda arde dentro deste velho peito metalúrgico. E vai arder até o dia em que o Todo-Poderoso me mandar pra eternidade.
— Mais uma dose, senhor?Não. Vou dormir. Dose vai ser amanhã... audiências com o Fidel e com o Chavez. Ah meu Deus, haja paciência...