sábado, março 05, 2005

O bravo escrete da Tereziano Vallim

O jogo fora marcado para duas da tarde. Naquele sábado, o “time do Pedrinho” não jogaria nos domínios da Tereziano Vallim. O tira-teima seria fora de casa, na chácara do Cuca Jacob e contra o time do próprio, lá no fim da rua Santo Antônio.
Certa feita tentamos batizar a equipe de Porto, pelo fato do nosso único uniforme ser semelhante ao da equipe portuguesa. Não colou e ficou mesmo “time do Pedrinho”.
Na frente do nosso “estádio”, a casa do Pedrinho Bernardes, o técnico Beto Vitamina fez a preleção. Sempre achei o Vitamina, filho do Pereira, um grande estrategista. Diga-se, todavia, que para um bando de moleques ávidos por correr atrás da bola, qualquer meia dúzia de palavras bem articuladas soa como um magnânimo esquema tático.
O Beto Vitamina foi indicado como nosso técnico por ser mais velho que a turma imberbe e pelo chute potente. A disputa ficaria desigual caso um marmanjão com uma bomba nos pés jogasse entre fedelhos.
Terminada a exposição das táticas, seguimos, uniformizados e a pé, até o palco do embate. Durante o trajeto, o treinador que também exercia a função de preparador físico, mandou que o “escrete do Pedrinho” se movimentasse bastante para chegar bem aquecido até o campo inimigo.
Imaginem a cena, eu, Beto Costinha, Toco Michelazzo, Parrázio, Julinho Mamangava, Marcelinho Duchen, Mileide, Nando Goiaba, Rica —que hoje chamam de Fanta, mas que para a velha Tereziano vai ser sempre Rica—, Marcelo Queiroz, Pedrinho, entre outros, todos fardados, fazendo flexões e polichinelos na calçada da rua Santo Antônio. O Beto Costinha, faça-se justiça, era o mais aplicado nos exercícios físicos.
O campo dos Jacob, que tinha grama, traves de ferro e redes, era um lugar perfeito para um time como o nosso, acostumado a ralar joelhos e cotovelos em pisos duros e ásperos onde as balizas eram de bambu e as redes imaginárias. Até juiz tinha, o seu Nege, pai do Cuca e dono da propriedade, se auto-escalou para arbitrar o cotejo. Achamos meio estranho o apitador ser pai do dono do time adversário, mas como tudo era novidade ninguém contestou.
O primeiro tempo terminou com o placar igual em um, num jogo que os comentaristas de antanho definiriam como parelho.
Num lance, na segunda metade do tempo final, a esquadra da Tereziano atacava em bloco, acuando o time da casa. Nesta hora houve um bate-rebate na área e, num presente dos deuses da bola, a esfera de couro sobrou limpa nos meus pés. Sem goleiro e embaixo do travessão, numa banheira vexatória, poderia marcar o gol com um chute colocado executado com a lateral dos pés. Não. O futebol do escriba era tosco e medíocre. Dei uma horrível bicuda estufando as redes. Dois a um e caminhávamos para a vitória.
A glória viria se os instintos paternais do seu Nege não emergissem no último minuto da peleja. Numa disputa limpa na nossa área, Cuca faz um teatro e se joga tentando cavar o pênalti. Papai-juiz apita forte e aponta para a marca da cal. Escândalo. O árbitro da casa faz-se de surdo aos nossos histéricos reclames. Cuca cobra mal pra chuchu mas Toco não consegue pegar. A contenda termina empatada e com gosto de derrota para os bravos da Tereziano.
Tristeza? Sim, alguma tristeza. Mas só por algumas horas, até o dia seguinte, um domingo ensolarado em que a borrachuda Dente-de-Leite não parou um minuto de quicar no quintal cimentado da mansão dos Bernardes.