Desterraram o escriba!
Homem de decisões solitárias, o prefeito Teixeirinha chamou o seu “conselho de sábios” pra resolver uma questão que o abespinhava por demais.
O alcaide espumava ira contra um colunista atrevido que usa suas letras pra fazer troça com a administração municipal.
No suntuoso salão de reuniões, assessor de imprensa, vice-prefeito e chefe de gabinete, testemunhavam a fúria do cacique e tentavam conter a sua mão pesada.
As veias saltadas e os socos na mesa revelavam o quão duro seria deter a obsessão do homem em proscrever o escriba atirado.
Nos porões da prefeitura, um certo bajulador jurídico descobriu um decreto municipal que remonta aos anos 70. Esta excrescência legal reza que: “o cidadão deste canto crepuscular que ousar perpetrar pândegas e galhofas com a figura do alcaide será degredado dos limítrofes municipais”.
Teixeirinha, enfurecido:
—Tudo tem limite... este moleque já ultrapassou o limite do aceitável. Não passa mês sem que ele use aquele jornaleco oposicionista pra atacar o meu governo. Falem o que quiserem, não me importo, com uma canetada eu lanço mão do decreto “pé-na-bunda” e mando este infeliz zombetear lá em Aguaí.
Assessor de imprensa, ponderando:
—Esquece isso, chefe... o cara é ruim, tem um texto medíocre, credibilidade zero e só fogueteia no jornal pra ganhar uns minutinhos de fama. Não gasta vela com defunto de quinta. Expulsando o infeliz, o senhor vai transformar um datilógrafo ordinário em mártir da liberdade de imprensa. E, no mais chefe, vamos e venhamos, Aguaí é uma pena muito dura para o coitado.
Vice-prefeito, pra variar, sorrindo:
—O Dudu tem razão, chefe. Concordo com ele e digo mais: entrar em litígio com a imprensa vai fazer minha candidatura virar água. Já não estamos lá essas coisas, brigar com este tresloucado pirotécnico só vai nos empurrar ladeira abaixo, se é que é possível descer mais... Aguaí eu também acho dose pra leão... ninguém merece... se quer punir, manda dar uma descarga 220 nos bagos e já tá bom.
Chefe de gabinete, meditando:
—Vamos fechar os olhos (acende um incenso e bota uma música zen), mentalizar coisas boas, trazer energia positiva pra esse ambiente carregado de negatividade... vamos plantar no nosso inconsciente a certeza da nossa fulgurante beleza e, humildes, rezemos pra esses feios pobres de alma.
Teixeirinha, ainda iracundo:
—Traidores, covardes, macumbeiros, isso é o que vocês são... ponham-se daqui pra fora que eu vou ligar pro meu primo Cassinho... ele sim é bom conselheiro e tem colhões pra esmagar estes babacas subversivos.
p.s. Amargurado e desterrado, o escriba se asilou em Aguaí. Foi visto recentemente afogando suas mágoas num inferninho beira de estrada. Consta que sua pena nunca mais lavrou letra alguma.
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